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Opinião: Porque os carros de som não são necessários nos nossos atos

Como estar com os pés no chão e na altura dos olhos do povo representa a nossa luta

Foto de capa: Alan Rodrigues (@caosinfinito)

Lembro-me de estar presente em protestos em São Luís desde adolescente. É notável que após a onda nacional de atos em 2013, a participação nas ruas é mais solicitada e desde então se formou um certo padrão na condução dos nossos atos: nós, caminhando, e as mesmas pessoas usando dos mesmos veículos pra pautar os nossos gritos. Depois de 2013, em 2016, pelo aumento das passagens; em 2018 e em 2019, pelo Cajueiro; e, agora, pelos 500 mil mortos pela necropolítica.  

Uma inquietação se formava: a quantidade de pessoas que andarilhavam pelos atos e, ainda que com seus cartazes e faixas, não gritavam. Uma voz em específico sempre estava gritando, e vinha de cima: alguém em um carro de som, que havia cedido seu nome e sua organização, que pediu pra falar. Estranhei. Pedir pra falar? Pedir pra gritar? Mas já estamos aqui, organizados, dispostos. Por qual motivo eu deveria pedir, até entre nós, pra ser ouvida? Quem são as pessoas a falar por mim? 

No ato do 3 de julho, caminhando no chão quente sob o sol escaldante, gritei em companhia de companheiros na altura dos meus olhos. Ao fim de tudo, observei as mesmas pessoas que deveriam falar por mim agradecerem a instituição que mata várias de mim por ano. Em 2020, 78% dos mortos pela instituição eram parecidos comigo. Da minha cor. Na manifestação, membros dessa instituição estavam sem identificação. Armas em punho. E no fim, ainda assim, foram agradecidos. 

Pensei mais uma vez na ação de pedir para falar. Se eu pedisse pra falar entre nós, seria ouvida? Se dissesse “eles nos matam agora, hoje, irão matar amanhã, e pode ser eu dessa vez”, seria ouvida por quem exige que eu peça? Ou a minha voz seria afogada pelo auto-falante que passava ao meu lado, comemorando uma vitória parlamentar que eu nunca pude entender, enquanto a instituição que seria agradecida passava por mim gritando a me intimidar? 

Me emocionei ao ver indígenas do povo Tremembé presentes no nosso ato. Não subiram em carros de som. Caminharam ao meu lado, na altura dos meus olhos. Do início ao fim, de cima do carro, nenhuma palavra sobre a PL que ameaça a existência dessas pessoas. Que ameaça a terra de onde vivem e se relacionam. Que ameaça tirar, mais uma vez, a vida desse povo, que luta da forma que sempre souberam, que sempre precisaram. Eles não conheceram vitória. Eu também não. Os nossos nomes são citados pra expressar certa representação. Nossas pautas são escoradas no local de fala pelos nossos ditos aliados pra que só nós possamos falar. Ao mesmo tempo que afogam nossas vozes enquanto caminhamos. 

É no chão quente, no sol escaldante, nas vozes roucas, nas intimidações e discussões iminentes que os nossos atos acontecem. Quando estou de pés fincados ao chão de onde batalho, pisando na trilha deixada por quem me antecede, que a luta acontece. Que façamos críticas aos nossos enquanto há tempo. Que defendamos os nossos enquanto podemos. A força imposta sob nós é constante, e precisamos ser imovíveis. E é somente abandonando os mesmos costumes, as mesmas rotas e as mesmas ferramentas que poderemos enraizar nossos pés no chão. E levantar-se, finalmente, como o grande carvalho.

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