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“Kit Covid” está sendo prescrito em UPAs no Maranhão

Pacientes denunciaram o uso do “kit Covid”. Foto: Reprodução/Universidade FM

Os medicamentos estariam sendo prescritos até sem o diagnóstico de Covid

A equipe do Maranhão Independente recebeu diversas denúncias de pessoas com Covid que estariam recebendo prescrição médica para tomar Azitromicina, Ivermectina e outros medicamentos em UPAs (Unidades de Pronto Atendimento) na região metropolitana de São Luís.

Nos relatos, até paciente sem diagnóstico estaria recebendo orientações para tomar esses remédios.

Depoimentos de pacientes

Veja abaixo as prescrições médicas e os relatos dos entrevistados. As identidades de médicos e pacientes foram preservadas.

Se tu for nessa UPA do Paço do Lumiar, chegar no atendimento e falar que está com Covid,  alguns médicos não pedem nem o teste e já vão te receitando esse kit horrível. Eles nem olham para a tua cara direito, é tipo uma coisa robótica. Eu fui lá 3 vezes e eu vi esse comportamento deles comigo e também com os outros pacientes de todas as idades, mais jovens que eu, muito mais velhos que eu, eles não fazem distinção dos sintomas, em vez de tratar os sintomas, eles prescrevem esses kits. Eles vieram como uma história de que os remédios desencapsulam vírus. Uma história para boi dormir.

Teve um médico, na segunda vez que eu fui, que eu disse que não ia tomar isso [esses remédios], o médico então fechou a cara, foi grosso comigo.

R.C., 21 anos

Fui na UPA do Araçagy, lá a médica me passou Ivermectina, Azitromicina e vitamina D. Ela me passou também xarope para tosse e vitamina C. De lá, fui pro HCI [Hospital de Cuidados Intensivos]. Chegando lá, falei para a segunda médica que eu tinha recebido uma receita com remédio de eficácia não comprovada, aí ela [a médica do HCI] disse que já estava acostumada com isso e que sempre pedia para os pacientes descartarem as receitas.

A.B.V., 24 anos

Mas não só médicos que atuam nas UPAs estariam optando por prescrever esses medicamentos.

Eu estava com uma gripe muito forte, aí falei por telefone com um médico [da rede particular] amigo do meu filho e ele me deu Azitromicina, Ivermectina e um xarope Celetil. Fiquei sem apetite e com enjoos, não suportava comida de espécie alguma e minha boca todo tempo amarga. No outro dia é que eu consegui tomar café.

T.C.R., 49 anos

O que é o “kit Covid”?

“Kit covid” foi um nome dado a um conjunto de 3 medicamentos (Hidroxicloroquina, Azitromicina e Ivermectina) que estavam sendo prescritos por todo o país para tratamento de pacientes com Covid, mesmo sem a comprovação científica de que eles tenham ação antiviral.

A Organização Pan-americana de Saúde (OPAS) divulgou uma série de informações a respeito da Covid e, sobre o uso de Hidroxicloroquina, destacou:

OPAS não aconselha uso de medicamento do Kit covid (hidroxicloroquina)
OPAS não recomenda uso do medicamento em pacientes graves. Imagem: Reprodução/OPAS

A OPAS ainda trouxe alertas sobre o uso de outros medicamentos:

Diversos medicamentos passam por estudos clínicos, mas até o momento, nenhum mostrou evidência o suficiente de que previne ou trata a infecção.

OPAS alerta sobre ineficácia de medicamentos de kit covid
OPAS sobre uso de outros medicamentos. Imagem: Reprodução/OPAS.

Com base nos depoimentos dos entrevistados pelo MaInd, o “kit covid” no Maranhão continua sendo utilizado, mas composto por: Azitromicina; Ivermectina; vitaminas C e D; xarope; e um medicamento com ação analgésica e antitérmica.

Veja abaixo um resumo da bula dos dois principais medicamentos apontados pelos entrevistados:

Azitromicina – antibiótico utilizado para tratar inflamações como bronquite, pneumonia, otite, sinusite, faringite, além de seu usada para combater infecções genitais e outras doenças sexualmente transmissíveis. Leia a bula completa.

Ivermectina – indicado para tratar infecções intestinais, sarna e outras doenças causadas por parasitas.  Leia a bula completa.

Por que há polêmica sobre o uso dos medicamentos desse “kit”?

O vírus (da Covid e outros) infecta uma célula, se multiplica e vai infectando e destruindo outras células que, antes, estavam sadias. As únicas formas de vencer vírus são evitar contágio, medidas de higiene e vacinas.

As vacinas, únicas cientificamente indicadas para curar vírus, agem inserindo no corpo fragmentos do vírus ou o vírus enfraquecido ou inativado, de maneira que não seja possível contaminação, mas que faça com que o nosso sistema imunológico produza anticorpos que vão estar disponíveis para o resto das nossas vidas por meio de um processo chamado memória imunológica.

Por tudo isso, afirma-se que nenhum dos medicamento do chamado “Kit Covid” (na verdade, nenhum medicamento) tem eficácia sobre o vírus. Antibióticos como a Azitromicina têm ação antibacteriana, então além de não agir contra vírus, podem deixar as bactérias mais resistentes a esses medicamentos.

Entretanto, há médicos que afirmam que esses medicamentos são importantes para tratar sintomas da Covid por todo o corpo, dai a necessidade de prescrever esses medicamentos.

Os questionamentos são feitos por estudiosos que afirmam que o uso desnecessário desses medicamentos são prejudiciais a saúde.

Até mesmo o uso indiscriminado e excessivo de vitaminas também podem causar problemas.

Atestado de 10 dias

Outra reclamação recebida pela nossa equipe foi a de que médicos estariam dando atestados com poucos dias, então os pacientes com Covid teriam que voltar mais de uma vez para conseguir o documento.

Depois de muita briga e muita argumentação, o médico me deu um atestado de 14 dias, mas ainda bem que eu insisti, porque ele só queria me dar 10 dias e no décimo dia eu ainda estava de cama. Outros colegas falaram pra mim também que receberam só o atestado de 10 dias e tiveram que ir pra hospital de novo, cheios de dores para pegar outro. Isso é um absurdo, já basta estar mal, ainda tem que ir mendigar pra médico e ainda correr o risco de infectar os outros. Não eram 14 dias?

D.F.M, 38 anos

A quantidade de 14 dias apontada pela entrevistada foi estabelecida na Portaria Conjunta nº 20 do Ministério da Economia e da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho datadode 18 de junho de 2020. No documento,ficou estabelecido o seguinte:

2.5 A organização deve afastar imediatamente os trabalhadores das atividades laborais presenciais, por quatorze dias, nas seguintes situações:

a) casos confirmados da COVID-19;

b) casos suspeitos da COVID-19; ou

c) contatantes de casos confirmados da COVID-19.

Mas, ainda no mês de junho de 2020, a OMS revisou o protocolo de isolamento e reduziu esse período para 10 dias, mas já destacando que não seria possível ter certeza de que o vírus desapareceria do corpo do paciente logo após esse período.

O que diz a SES

Entramos em contato com a Secretaria de Estado da Saúde para saber o posicionamento oficial do órgão a respeito das denúncias recebidas pelo MaInd. Veja a nota enviada pela SES:

A Secretaria de Estado da Saúde (SES) esclarece que os médicos possuem autonomia para prescrição de medicamentos conforme avaliação clínica do paciente na rede estadual de saúde. Isto é, pacientes com alta do pronto socorro recebem prescrição para o quadro sintomático, bem como atestado de até 10 dias, de acordo com revisão do protocolo de isolamento da Organização Mundial da Saúde.

A SES ressalta, ainda, que nenhum medicamento tem comprovação científica para cura dos casos da Covid-19. Deste modo, os usuários atendidos na rede pública estadual são orientados a retornar ao serviço de saúde caso necessitem de nova assistência médica.

Aproveitamos também para saber mais informações a respeito da vacina Sputnik V. O Governo do Maranhão e a fabricante (Instituto Russo Gamaley) já realizaram negociação para a compra de 4,5 milhões de doses dessa vacina.

Contudo, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) negou a importação do imunizante, alegando haver a presença de “adenovírus replicantes” que poderiam atingir órgãos e tecidos do corpo. Mas a Anvisa deve apresentar novo relatório até o dia 6 de junho.

Sobre isso, a SES comentou na mesma nota

Quanto a Sputnik, a Secretaria aguarda posicionamento da Agência Nacional de Vigilância Sanitária quanto a revisão dos documentos para uso emergencial do imunizante. Se aprovado, mais de 37 milhões de doses vão permitir acelerar o processo de vacinação contra a Covid-19 do país. Destes, 4,5 milhões de doses serão adquiridas pelo Maranhão e ofertadas ao Plano Nacional de Imunizações

Entramos em contato com o Conselho Regional de Medicina do Maranhão, mas até o momeno da publicação dessa reportagem não recebemos resposta.

Leia outras orientações da OPAS sobre os mitos em relação a Covid.

Leia outras matérias sobre Saúde no MaInd.

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