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Lideranças do quilombo Santa Rosa dos Pretos recebem intimação policial em Itapecuru-Mirim

“Pra nós o momento não foi fácil. Nos achamos, mais uma vez, violados e negados dos nossos direitos. O momento que estamos passando exige muito mais respeito” desabafa Anacleta Pires da Silva, 54 anos, uma das lideranças do quilombo Santa Rosa dos Pretos, na zona rural do município de Itapecuru-Mirim, a 86 km de distância da capital. Anacleta, Elias Pires Belfort e Joércio Pires da Silva receberam durante os meses de abril e maio três intimações para comparecerem à 2ª Delegacia Regional de Polícia Civil de Itapecuru-Mirim. Os documentos, além de não informarem a razão do mandado, categorizava o não-cumprimento como crime de desobediência. 

Foi somente no dia 29 de abril, após comparecimento à delegacia, que as lideranças souberam a razão do envio da intimação: estavam sendo acusados da destruição de uma ponte que dava acesso à uma fazenda, instalada dentro do território quilombola, e de ameaçarem o dono da propriedade e seu encarregado. A testemunha do caso é o encarregado do proprietário do sítio. Em carta pública veiculada no dia 13 de maio, membros do quilombo denunciam que a ameaça constante ao território onde vivem é consequência da falta de titulação territorial, regulamentação cedida pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, o Incra. 

Uma das intimações encaminhadas a Anacleta no dia 12 de maio. Fonte: Anacleta Pires da Silva.

“Corremos risco de ataque, de morte. Desde 2005 o Incra fez manobras e mentiras, acham que nós somos pessoas sem conhecimento, porque não respeitam o conhecimento natural. Pra eles, nesse conhecimento formal e de diplomacia, só eles são os sábios. Se um servidor do Incra vir até aqui mostrar o nosso território, eles não sabem por onde passa. Mas nós sabemos. A nossa educação é por relações, não por bancos de dados”, conta Anacleta. A quilombola também menciona a invasão territorial feita pelo assentamento Entroncamento, composto por lotes de terras espalhados pela zona rural de Itapecuru-Mirim. Segundo Anacleta, os lotes acumulam lixo sem procedência da população do quilombo, e são ocupados irregularmente por invasores. 

Os quilombolas fizeram uma denúncia em 2015 pela regularização fundiária com o Incra, para a devida desapropriação de lotes irregulares, incluindo a fazenda cujo proprietário acusa as lideranças de Santa Rosa. O descaso com o tema afeta a saúde mental e física dos quilombolas, e as exigências das intimações não consideram os desafios de vida da comunidade, expõe Anacleta. “Não temos dinheiro pra comprar um café para tomar, vamos ter dinheiro para ir até lá? Se há um carro para vir notificar a gente, deveria ter condições para a gente ir responder lá. Mas entendemos que essa é uma forma de nos intimidar e criminalizar. As nossas denúncias de desmatamento e tantas outras coisas nunca são acatadas”, conta a liderança.

Luta constante 

Não é o primeiro caso de acusações sendo direcionadas às lideranças do quilombo de Santa Rosa dos Pretos. Em 2014, a mineradora Vale entrou com um processo contra Anacleta, Elias e outras personalidades de luta do território, baseando-se em um boletim de ocorrência solicitado por um funcionário da empresa. O boletim declarava que as lideranças estavam bloqueando trilhos da Estrada de Ferro Carajás, mas a prova apresentada era uma imagem em preto e branco, com baixa nitidez e sem nenhum rosto à vista.  

“Entender o que tá acontecendo é entender o grande empreendimento dentro dos territórios a partir dos interesses da ganância. A Vale passou pelo nosso território, cortou meio a meio. O que traz essas mazelas para dentro dos territórios são os caminhos dos grandes empreendimentos”, explica Anacleta. A Estrada de Ferro Carajás é um dos principais meios de transporte de minérios para exportação e cargas de grãos por grandes empresas no Maranhão. 

Apesar das ameaças, a luta pelo território continua, em uma eterna manhã do 14 de maio. “Temos respeito pela nossa ancestralidade, de toda a maldade que causaram a nós, povo preto, nos sequestrando da nossa mãe África. Temos mais de 300 anos nesse espaço sagrado e temos gratidão aos povos originários. Nós, do território de Santa Rosa dos Pretos, temos a história viva e reafirmada, e sabemos de onde viemos”, conclui a quilombola.

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